domingo, 31 de maio de 2009

Há tortura, mas ninguém se rala


«Um tribunal dá como provado que houve tortura numa sede da polícia. Se fosse nos EUA, teríamos todos os bem-pensantes a protestar. Como foi por cá, o silêncio é total.

O Tribunal de Faro, numa sentença muito aguardada, mas muito pouco discutida, deu como provado que Leonor Cipriano - que foi condenada pela morte da sua filha Joana - foi torturada nas instalações da Polícia Judiciária de Portimão.

O crime de tortura não pode ser atenuado pelo facto de estarmos perante alguém que terá morto a sua própria filha (dúvidas sobre se, de facto, foi ela voltaram a levantar-se). A tortura - para mais praticada por agentes da autoridade e de uma polícia de investigação - é um mal absolutamente condenável. É cobarde, porque a vítima está indefesa e à mercê dos torturadores; levanta dúvidas sobre a própria realização da justiça, uma vez que fica a incerteza se a confissão se deve ao facto de a arguida ter dito a verdade ou a querer esquivar-se à dor infligida pela tortura; é criminosa, porque demonstra a total falta de respeito que aqueles que devem zelar pela lei têm pela própria lei.

A absolvição destes agentes fica a dever-se apenas a um facto: o Tribunal não conseguir provar quem participou nas agressões. Tanto mais que outros dois inspectores da PJ (entre eles o famoso Gonçalo Amaral) foram condenados por falso testemunho, porque participaram naquilo que o Tribunal deu por inventado - que Leonor Cipriano se terá magoado ao cair numas escadas na sede da PJ de Portimão.

Este facto diz também alguma coisa sobre a acusação. É estranho que nenhum dos restantes elementos fosse acusado de encobrimento ou de qualquer outro crime relacionado com o facto de não ter - e sublinha-se que isto seria o seu dever - denunciado os colegas que utilizaram a tortura.

O juiz está, pois, perante a barbaridade da tortura (determinada por uma votação unânime de sete pessoas, quatro jurados e três juízes), mas não consegue determinar qual foi o agente que torturou efectivamente. E manda os quatro em paz. É estranho, mas pode ter os seus motivos jurídicos.

O que é inadmissível é o director nacional da PJ, Almeida Rodrigues, não tomar a iniciativa de, através de processo disciplinar competente, tentar saber quem foi o autor ou os autores da tortura.

Como é inacreditável que os nossos políticos - sobretudo aqueles que se indignam tanto - e bem! - com os maus tratos nas prisões em todo o mundo - se calem bem calados quando o caso se passa aqui mesmo.

A única pessoa que pareceu minimamente preocupada com este assunto foi o bastonário da Ordem dos Advogados, o mesmo que está, por outros motivos, sob o fogo de boa parte dos seus colegas. De resto, nem juízes, nem magistrados do MP, nem deputados, nem quase ninguém levantou a voz contra este facto simultaneamente tão simples quanto detestável: uma mulher - por muito criminosa que fosse - foi barbaramente agredida na sede da Polícia Judiciária. Só se queixou porque uma guarda da prisão a aconselhou a fazê-lo.

Quantos mais desgraçados destes foram torturados? »
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Editorial no Expresso online, 31-5-2009

sábado, 30 de maio de 2009

Tribunal da Relação de Guimarães: Juiz José Gouveia Barros vai ser castigado


«O Conselho Superior da Magistratura (CSM) deverá ter ‘mão pesada’ no caso do juiz José Gouveia Barros, o magistrado que elaborou o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que determinou a entrega da pequena Alexandra à mãe biológica.

Ao que o CM apurou, a confissão, por parte do desembargador, de que sentiu "uma grande animosidade" para com a mãe de acolhimento, Florinda Pinheiro, não caiu bem no órgão que regula e fiscaliza a actividade dos juízes.

Fonte do CSM explicou ao CM que, "ao sentir uma forte animosidade para com um elemento de uma das partes interessadas no caso, o magistrado devia ter pedido escusa e abandonado o processo".

Sem nunca fazer qualquer comentário sobre a decisão em causa, a mesma fonte assegurou que "um juiz, sobretudo numa fase em que não há possibilidade de recurso, nunca deve aceitar decidir se sentir que está a ser alvo de qualquer constrangimento".

Nas declarações de anteontem, o desembargador José Gouveia Barros assumiu ter sentido animosidade em relação a Florinda Pinheiro, pelo facto de esta ter dito que tinha dois filhos e gostava de ter uma filha.

Para o advogado do casal, João Araújo, "esta declaração não tem, em si, nada de mal e muito menos algo que possa causar qualquer antipatia", pelo que considera que o juiz "não terá interpretado da melhor forma a dita declaração".

De resto, o advogado assegura que, perante esta confissão do juiz, só não avança com um pedido de anulação da decisão "porque ela não teria qualquer efeito prático, ou seja, não traria a menina de volta".

O causídico considera também que "esta espécie de arrependimento devia abrir o debate sobre a responsabilidade dos juízes".

SANDRA
Além de não conhecer o país e de não saber a língua russa, a pequena Alexandra está a habituar-se também a um nome novo, Sandra, um diminutivo russo de Alexandra, ao qual a criança não estava habituada.

FARDO VITALÍCIO
Para o director do Refúgio Aboim Ascensão, Luís Villas-Boas, "este juiz tomou uma decisão desacertada e vai carregar este fardo, este peso de consciência, para a vida inteira". Os tribunais de família, diz, têm de ser mais abrangentes.

AO TELEFONE
Alexandra falou ontem ao telefone com os pais afectivos. Durante a conversa, proporcionada por uma jornalista russa, a menina contou que "a cadela Lúcia já tem cachorros: 3 brancos, 1 preto e 2 castanhos".
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in CM online, 30-5-2009

Jornal Correio da Manhã revela assinaturas que implicam Dias Loureiro


«O contrato-promessa de compra e venda da La Granjilla Corporation, empresa do empresário libanês El-Assir sediada no Panamá, é um dos documentos que mais comprometem a participação de Dias Loureiro no negócio de Porto Rico. Tudo porque entre a compra, a venda e a recompra da Biometrics Imagineering (MI), três operações realizadas pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN) no mesmo dia de Novembro de 2001, existe um mistério sobre uma diferença de dez milhões de dólares. Por isso, as autoridades estão a passar todos os documentos já apreendidos a pente-fino, a fim de se perceber para onde foi o dinheiro e quem terá ficado com as verbas.»
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in CM online, 30-5-2009

Maria José Morgado: Urbanismo é buraco negro da democracia


«Porto, 30 Mai (Lusa) - A procuradora-geral adjunta Maria José Morgado criticou hoje, no Porto, a falta de enquadramento penal para os crimes cometidos no urbanismo, considerando que esta é uma área de "impunidade total" que configura "um buraco negro da democracia".

Maria José Morgado admite que uma alteração legislativa não resolve tudo, mas deixou a pergunta em tom de crítica: "Porque é que nunca ninguém deu atenção à protecção penal do interesse público na legislação sobre o ordenamento do território? Porquê esta desprotecção em termos penais", questionou, no seminário "Política e Justiça", organizado pelo Instituto de Estudos Eleitorais da Universidade Lusófona.

Maria José Morgado considera que é preciso criminalizar as irregularidades urbanísticas e chama a atenção para o facto de isso nunca ter sido conseguido nas sucessivas reformas.

"Não temos uma previsão penal que criminalize as condutas censuráveis e as irregularidades que se praticam no urbanismo. Essa omissão de incriminação, que se tem mantido ao longo de todas as reformas penais, tem originado fenómenos de impunidade total que têm aumentado a descrença na actividade da justiça", explicou.

Esta impunidade permite que quase tudo seja possível, alerta a procuradora.

"Por falta de especialização, por dificuldade em detectar os fenómenos ou por desconhecimento completo, estamos numa área que é uma espécie de buraco negro da democracia, em que tudo acontece e em que não há consequências", afirmou.

Um dos problemas é que o direito penal não consegue, nesta área, adquirir prova do que aconteceu, porque "há pactos de silêncio entre os interessados".

Outra das dificuldades na análise dos processos urbanísticos prende-se, na sua perspectiva, com o "emaranhado de legislação", que permite "que as operações mais obscuras sejam apresentadas sob um manto de legalidade".

Apesar do quadro legal ser rígido, "há sempre quem dê um jeito", ironizou a procuradora, sublinhando que esta prática tem graves custos para os portugueses.

"Isto transforma-se no maior imposto que os portugueses pagam, que é o imposto do suborno das corrupções indetectáveis", alerta.

Quanto a medidas concretas para alterar este problema, a plateia fez muitas perguntas, mas Maria José Morgado não conseguiu definir uma solução única.

A procuradora admitiu, no entanto, que as ferramentas dos magistrados "são do tempo da idade da pedra", falou em "insuficiências ao nível da prevenção da corrupção" e considerou que o Conselho de Prevenção Contra a Corrupção tem a "insuficiência" de ser "demasiado fechado".

Maria José Morgado apresentou o caso espanhol como um exemplo a seguir e lembrou que o país vizinho constituiu "uma task-force que fez o levantamento dos principais problemas do país e investigações poderosas que levaram à prisão de uma presidente de Câmara e de todo o seu staff".

Adoptar o modelo para Portugal "era possível", mas, segundo a procuradora, para tal seria preciso "dar meios ao Ministério Público".»
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Lusa, 30-5-2009

São Mamede Infesta: Menina de sete anos estrangulada pelo pai


«Maria João soprou as sete velas do seu bolo de aniversário há poucos dias. Anteontem à noite o pai tirou-lhe o sorriso e a alegria com que todos a lembram. Com o cinto de um roupão, estrangulou-a.

João Cerqueira Pinto, 45 anos, viu a única filha morrer asfixiada, deitada no sofá-cama da sala-de-estar do apartamento que tinha partilhado com a ex-mulher até há cerca de dois anos, altura em que se separaram. Eram 19h00.

A menina ainda resistiu, admitiu João às autoridades, após ter sido detido ao final da madrugada de ontem em Vila Nova de Gaia. Imune ao acto, o homicida continuou a rotina no apartamento do 4º andar de um prédio na rua Aquilino Ribeiro, em São Mamede Infesta, Matosinhos. Preparou o jantar, pôs a mesa com o seu prato e o da filha. Maria João já estava morta no sofá e no pescoço ainda tinha o cinto.

O assassino esteve em casa com o corpo da filha mais de quatro horas. No apartamento tocava sem parar uma única música de um CD de Tony Carreira. Às 23h10, o assassino decidiu sair de casa. Ligou para o 112. 'Matei a minha filha. A chave de casa está na caixa do correio. Agora vou matar-me', disse à telefonista da central.

Calmamente, saiu do prédio e entrou no seu Opel Corsa preto. 'Vi-o passar normalmente, entrou para o carro, como é normal. De nada desconfiei', disse ao CM uma moradora. De seguida, enviou uma mensagem SMS para o telemóvel da ex-mulher. 'A menina está a descansar com os anjinhos', leu Maria Rosa.

Os bombeiros de São Mamede chegaram em minutos, arrombaram a porta, desapertaram o cinto envolto no pequeno pescoço – mas nada havia a fazer. No fogão da cozinha estava um tacho com arroz. A música, sempre a mesma, não parava de tocar. O cenário era tal que minutos depois um bombeiro saía a chorar. Era brutal o que encontrara.

Pelas 04h30, o cadáver de Maria João foi levado para o Instituto de Medicina Legal. Hoje, o corpo da menina vai a sepultar em Penafiel.

HOMICIDA ESTÁ EM PREVENTIVA
Após ligar para o 112, João Cerqueira Pinto saiu de carro e vagueou entre Matosinhos e Gaia. Por telefone, disse aos psicólogos do INEM e inspectores da PJ do Porto que se ia suicidar, mas não concretizou a ameaça. Foi detido, pelas 06h00, na marginal do rio Douro, em Gaia. Não soube explicar por que matou a filha, mas a PJ diz que agiu num 'quadro de perturbação emocional, ideia de suicídio e apreensão quanto ao futuro da vítima'. Saiu do tribunal para a cadeia de Custóias, em preventiva.

'NUNCA PAGARÁ PELO QUE FEZ'
Sandra Ferreira, de 21 anos, meia-irmã de Maria João, não esconde a dor. Visivelmente abatida e fortemente medicada, a jovem não controla a revolta contra o acto praticado pelo ex-marido da mãe e pai da sua irmã. 'Tem de pagar pelo que fez, e tudo o que lhe aconteça nunca vai chegar', diz a jovem, que ontem só queria despedir-se da menina.

Na Igreja de Capela, em Penafiel, o corpo de Maria João chegou durante a tarde para ser velado. O sentimento era de estupefacção, o choro sofrido da família próxima contagiava. 'Há um sentimento muito forte de revolta. Ele nunca foi violento, até pelo contrário. Não temos explicação', continua Sandra Ferreira, enquanto Marcelo Lourenço, tio da menina assassinada, desabafa: 'Não há explicação. Estamos todos em estado de choque. Ninguém entende o que passou pela cabeça do pai. Conhecia-o como uma pessoa calma.'

A irmã gémea de Sandra, Alexandra, não consegue falar. A mãe permanece na capela, sob forte efeito de medicação.

Ninguém encontra uma explicação. A mãe tinha aceitado confiar a menina ao pai, fora do dia normal de guarda, porque o ex-marido lhe dissera que ia trabalhar 15 dias para o Algarve. Maria Rosa acedeu, confiante de que pai e filha passariam um dia feliz.

VIZINHOS ESTAVAM REUNIDOS
Enquanto o homicida permanecia em casa, a cozinhar e a ouvir música, aparentemente alheio à morte da filha, decorria no hall do prédio a reunião de condomínio, abruptamente interrompida pela chegada dos bombeiros e da PSP, poucos minutos após ter sido dado o alerta. 'Ficámos em choque. Estávamos a conversar quando bateram à porta. Mal abrimos, subiram logo a correr. Só depois de nos contarem percebemos o que tinha acontecido', contou ao CM João Salgueiro, ainda abalado com o drama que aconteceu no prédio onde vive. 'Era uma pessoa simpática e educada, nunca pensei que fizesse tamanho horror', sublinhava, estupefacto, João Reis, dono do café no edifício. 'Ainda anteontem esteve cá com a menina a comprar-lhe o lanche. É inacreditável', desabafo.

'FOI O INIMIGO A ABATER' (Carlos Amaral Dias, Psicanalista)

Correio da Manhã – Como é possível um pai matar a sua filha?

Carlos Amaral Dias – Só uma grave perturbação psicológica o explica e denota uma perturbação delirante da percepção do outro.

– É normal os vizinhos dizerem que era um homem calmo?

– Quem comete estes impulsos são pessoas discretas, que até atraem simpatia. Em algumas situações a psicose leva-os a identificar um inimigo a abater, neste caso a filha. Só pode ter sido isto.

– E como é possível estar quatro horas a ignorar o seu acto?

– Demonstra uma clivagem forte do seu eu, com um lado delirante de distorção da realidade, em que apaga o que de mal fez. Claro que tem de ser preso, mas tratado.

IRMÃ EM CHOQUE
Sandra, meia-irmã de Maria João, chegou ao prédio à 00h30. ' Diga-me como ela está, diga!', implorava a jovem. Só na esquadra da PSP, na presença de psicólogos, lhe foi confirmada a morte da irmã.

CUSTÓDIA PARTILHADA
Há dois anos que Maria Rosa deixou o marido. O casal pouco falava, embora tivesse a custódia partilhada de Maria João.

ALERTA: DEIXOU CHAVE NA CAIXA
Avisou a telefonista da central do 112 de que tinha deixado a chave de casa na caixa do correio AT. Os bombeiros nem a procuraram para abrir a porta do apartamento, e ali ficou.

MÃE: VIVIA COM FILHA NA MAIA
Maria Rosa esteve casada com João Cerqueira Pinto durante cinco anos. A mãe vivia agora em Gueifães, na Maia, onde Maria João passava a maior parte do tempo.

ESCOLA: TRISTEZA MARCA DIA
Maria João frequentava a 1.ª classe da Escola EB 1 de São Mamede de Infesta, ao lado do prédio onde morava o pai. No estabelecimento de ensino a dor era ontem evidente.»
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in CM online, 30-5-2009