«Um tribunal dá como provado que houve tortura numa sede da polícia. Se fosse nos EUA, teríamos todos os bem-pensantes a protestar. Como foi por cá, o silêncio é total.
O Tribunal de Faro, numa sentença muito aguardada, mas muito pouco discutida, deu como provado que Leonor Cipriano - que foi condenada pela morte da sua filha Joana - foi torturada nas instalações da Polícia Judiciária de Portimão.
O crime de tortura não pode ser atenuado pelo facto de estarmos perante alguém que terá morto a sua própria filha (dúvidas sobre se, de facto, foi ela voltaram a levantar-se). A tortura - para mais praticada por agentes da autoridade e de uma polícia de investigação - é um mal absolutamente condenável. É cobarde, porque a vítima está indefesa e à mercê dos torturadores; levanta dúvidas sobre a própria realização da justiça, uma vez que fica a incerteza se a confissão se deve ao facto de a arguida ter dito a verdade ou a querer esquivar-se à dor infligida pela tortura; é criminosa, porque demonstra a total falta de respeito que aqueles que devem zelar pela lei têm pela própria lei.
A absolvição destes agentes fica a dever-se apenas a um facto: o Tribunal não conseguir provar quem participou nas agressões. Tanto mais que outros dois inspectores da PJ (entre eles o famoso Gonçalo Amaral) foram condenados por falso testemunho, porque participaram naquilo que o Tribunal deu por inventado - que Leonor Cipriano se terá magoado ao cair numas escadas na sede da PJ de Portimão.
Este facto diz também alguma coisa sobre a acusação. É estranho que nenhum dos restantes elementos fosse acusado de encobrimento ou de qualquer outro crime relacionado com o facto de não ter - e sublinha-se que isto seria o seu dever - denunciado os colegas que utilizaram a tortura.
O juiz está, pois, perante a barbaridade da tortura (determinada por uma votação unânime de sete pessoas, quatro jurados e três juízes), mas não consegue determinar qual foi o agente que torturou efectivamente. E manda os quatro em paz. É estranho, mas pode ter os seus motivos jurídicos.
O que é inadmissível é o director nacional da PJ, Almeida Rodrigues, não tomar a iniciativa de, através de processo disciplinar competente, tentar saber quem foi o autor ou os autores da tortura.
Como é inacreditável que os nossos políticos - sobretudo aqueles que se indignam tanto - e bem! - com os maus tratos nas prisões em todo o mundo - se calem bem calados quando o caso se passa aqui mesmo.
A única pessoa que pareceu minimamente preocupada com este assunto foi o bastonário da Ordem dos Advogados, o mesmo que está, por outros motivos, sob o fogo de boa parte dos seus colegas. De resto, nem juízes, nem magistrados do MP, nem deputados, nem quase ninguém levantou a voz contra este facto simultaneamente tão simples quanto detestável: uma mulher - por muito criminosa que fosse - foi barbaramente agredida na sede da Polícia Judiciária. Só se queixou porque uma guarda da prisão a aconselhou a fazê-lo.
Quantos mais desgraçados destes foram torturados? »
.
Editorial no Expresso online, 31-5-2009
O Tribunal de Faro, numa sentença muito aguardada, mas muito pouco discutida, deu como provado que Leonor Cipriano - que foi condenada pela morte da sua filha Joana - foi torturada nas instalações da Polícia Judiciária de Portimão.
O crime de tortura não pode ser atenuado pelo facto de estarmos perante alguém que terá morto a sua própria filha (dúvidas sobre se, de facto, foi ela voltaram a levantar-se). A tortura - para mais praticada por agentes da autoridade e de uma polícia de investigação - é um mal absolutamente condenável. É cobarde, porque a vítima está indefesa e à mercê dos torturadores; levanta dúvidas sobre a própria realização da justiça, uma vez que fica a incerteza se a confissão se deve ao facto de a arguida ter dito a verdade ou a querer esquivar-se à dor infligida pela tortura; é criminosa, porque demonstra a total falta de respeito que aqueles que devem zelar pela lei têm pela própria lei.
A absolvição destes agentes fica a dever-se apenas a um facto: o Tribunal não conseguir provar quem participou nas agressões. Tanto mais que outros dois inspectores da PJ (entre eles o famoso Gonçalo Amaral) foram condenados por falso testemunho, porque participaram naquilo que o Tribunal deu por inventado - que Leonor Cipriano se terá magoado ao cair numas escadas na sede da PJ de Portimão.
Este facto diz também alguma coisa sobre a acusação. É estranho que nenhum dos restantes elementos fosse acusado de encobrimento ou de qualquer outro crime relacionado com o facto de não ter - e sublinha-se que isto seria o seu dever - denunciado os colegas que utilizaram a tortura.
O juiz está, pois, perante a barbaridade da tortura (determinada por uma votação unânime de sete pessoas, quatro jurados e três juízes), mas não consegue determinar qual foi o agente que torturou efectivamente. E manda os quatro em paz. É estranho, mas pode ter os seus motivos jurídicos.
O que é inadmissível é o director nacional da PJ, Almeida Rodrigues, não tomar a iniciativa de, através de processo disciplinar competente, tentar saber quem foi o autor ou os autores da tortura.
Como é inacreditável que os nossos políticos - sobretudo aqueles que se indignam tanto - e bem! - com os maus tratos nas prisões em todo o mundo - se calem bem calados quando o caso se passa aqui mesmo.
A única pessoa que pareceu minimamente preocupada com este assunto foi o bastonário da Ordem dos Advogados, o mesmo que está, por outros motivos, sob o fogo de boa parte dos seus colegas. De resto, nem juízes, nem magistrados do MP, nem deputados, nem quase ninguém levantou a voz contra este facto simultaneamente tão simples quanto detestável: uma mulher - por muito criminosa que fosse - foi barbaramente agredida na sede da Polícia Judiciária. Só se queixou porque uma guarda da prisão a aconselhou a fazê-lo.
Quantos mais desgraçados destes foram torturados? »
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Editorial no Expresso online, 31-5-2009
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