quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Maria José Morgado: "A corrupção tornou-nos um país ainda mais pobre"

«A directora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, Maria José Morgado, falou ao DN sobre a posição de Portugal no 'ranking' mundial da corrupção.




Portugal passou do 23.º lugar para o 35.º no ranking mundial da corrupção. Em sua opinião, a que se deve esta derrapagem negativa?

Deve-se ao melhor conhecimento por parte da opinião pública dos mecanismos da corrupção, das suas causas e consequências nefastas para as pessoas, ao baixar das águas da respeitabilidade, ficando o lodo à luz do dia. Isso foi acontecendo gradualmente nos últimos cinco anos, pelo menos. Assim, más práticas que eram invisíveis e sem rosto ganharam contornos e histórias verdadeiras.

Portugal continua sem ter indivíduos presos por corrupção?

O sistema penal é a ultima ratio, mas admito que há défice de resultados. Acontece que as instituições da administração pública e do Estado central e local continuam muito vulneráveis, que a prevenção ainda não produziu os frutos necessários, que não há auditorias no Estado sobre práticas corruptivas, que não há uma política criminal de prioridade no combate e prevenção da corrupção. O resultado é o desfasamento da justiça penal em relação à realidade. Não podemos combater um inimigo que desconhecemos e sem ferramentas legais. Não temos um sistema informático do inquérito, não temos bases de dados, não temos meios periciais adequados, mas há quem ache que temos meios de mais. Temos gente dedicada e disposta a nunca desistir. Talvez seja esse o problema.

Como pôr termo à corrupção em Portugal?

A Convenção da ONU contra a Corrupção tem a receita. Precisamos de gente honesta em instituições honestas e disposta o travar o combate. Esta é uma guerra prolongada e que nunca termina. A corrupção tornou-nos um país ainda mais pobre, com serviços mais caros, com saúde, educação, auto-estradas por exemplo, mais caras. São essas as consequências não quantificáveis das práticas corruptivas no Estado. Quando as empresas têm que pagar comissões (luvas), os serviços ficam mais caros. Quando as empresas são escolhidas não pela competência mas por critérios obscuros, temos serviços maus e mais caros. Toda a gente já percebeu isso.

O sistema de justiça tem meios para combater a corrupção?

Tem gente disposta a trabalhar com dedicação, na polícia, no Ministério Público e nos Juízes. Os meios são ridiculamente escassos, se considerarmos as recomendações do Grupo de Estados contra a Corrupção. Chamo a atenção para uma recomendação da Assembleia da República ao Governo, de 10 de Agosto de 2010, da qual constam todas as insuficiências de meios periciais, informáticos, recursos humanos e técnicos, bases de dados, etc. Quem ler essa recomendação perceberá perfeitamente.»


in DN online, 27-10-2010

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