Manuel (nome fictício), 50 anos, teve um acidente de trabalho que lhe fracturou o calcanhar. O perito da seguradora atribuiu-lhe uma incapacidade de 12,5%. Inconformado, Manuel pediu ao tribunal uma nova avaliação, que lhe foi feita por um médico do Instituto Nacional de Medicina Legal, atribuindo-lhe uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 18,75%. Face ao desacordo, foi realizada uma junta médica, que tomou a decisão final: a IPP de Manuel é de 12,5%, tal como defendia a seguradora.
O caso de Manuel é apenas um das dezenas de processos relativos a acidentes de trabalho e de viação investigados pelo Observatório Permanente da Justiça(OPJ). A conclusão é dramática para os acidentados: as seguradoras têm uma posição hegemónica em todo o sistema, desde a legislação até às decisões judiciais.
Começando pela legislação, os investigadores, coordenados pelo sociólogo Boaventura Sousa Santos, começam por realçar a rapidez com que foi aprovada a última lei sobre acidentes de trabalho, uma iniciativa dos deputados Jorge Strecht, Esmeralda Salero Ramires, Maria José Gamboa e Isabel Coutinho, do grupo parlamentar do PS. O projecto de lei foi apresentado a 29 de Maio de 2009. Seis meses depois, estava concluído para promulgação presidencial.
Pelo meio, ficaram muitas acusações de aquela ser uma lei que apenas servia os interesses das seguradoras. Sob anonimato, um deputado disse que o tempo para a discussão foi curto e que, ainda por cima, no mesmo dia em que se discutia esta lei, havia mais três diplomas em cima das mesas para discussão e votação. Daí, os investigadores do OPJ falarem num fenómeno de "captura do direito por interesses poderosos e lesivos do bem comum". Um dos exemplos prende-se também com a aprovação da nova Tabela Nacional de Incapacidades, de 2007, quando comparada com a de 1993 (ver caixa com alguns exemplos).
Se no capítulo legislativo o quadro descrito não é animador para o cidadão, pior o é quando os processos chegam a tribunal.»
in DN online, 18-01-2011
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