«Arsénio Almeida, engenheiro electrónico de 45 anos, só queria visitar o pai que estava acamado em casa, numa aldeia de Sever do Vouga. Mas ao longo de um intenso périplo na Justiça "monstruosa", ficou anos sem ver o pai, que morreu em Julho de 2010 e acabou duas vezes detido pela GNR e com o salário e o carro penhorados. Uma história de loucos, nas palavras de uma vizinha que a acompanhou, sem final feliz.
- Arsénio quis denunciar publicamente a desumanidade da sua história -
Na semana passada (Março/2011), depois de bater insistentemente à porta de inúmeros meios de comunicação, Arsénio decidiu tirar férias e iniciar uma greve de fome. Queria denunciar a desumanidade da sua história. Montou tenda durante vários dias em frente a um mural dedicado aos direitos humanos, em Belém, Lisboa, cidade onde reside.
A história começa muito antes, em Maio de 2005, uma década após o segundo casamento do pai, Carmélio Almeida. Já bem ultrapassados os 70 anos, o antigo emigrante no Brasil ia definhando por doença. O genro, Sebastião Lourenço, conta que a mulher, a segunda de três filhos, ia regularmente a casa do pai. Numa das vezes, apercebeu-se que o pai estava muito pior. Levou-o às urgências. Nessa mesma noite, foi operado, em Coimbra, a vários coágulos cerebrais, resultantes de quedas. A operação correu bem, mas o septuagenário não recuperou a fala e ficou confinado à cama.
A madrasta de Arsénio começa a impedir os três irmãos de visitar o pai. Umas vezes alegando que iriam buscar bens, outras que a iriam agredir. Ao tribunal, afirmava que não impedia, mas reconhecia que não abria a porta por querer ser avisada antes, já que se sentia insegura com os filhos do marido e queria mais alguém presente. Arsénio diz que ela nunca apresentou tal justificação. Por isso, vários meses após ter acordado em tribunal deixar Arsénio ver o pai aos fim-de-semana, entre as 15h e as 18h, continuava a fechar-lhe a porta. Apesar de o filho ter guiado cerca de 300 quilómetros de Lisboa até Pessegueiro do Vouga, para ver o pai.
Fátima Almeida, vizinha de ambos e prima afastada de Carmélio, presenciou as recusas várias vezes. Garante que a madrasta de Arsénio nunca justificou a decisão: apenas não abria a porta. Fátima, de 49 anos, que conhecia Carmédio desde pequena, recorda com mágoa um dia de Páscoa.
A recusa em permitir a visita a Carmélio arrastava-se há largos meses, talvez anos, e a mulher de Sebastião pensou em aproveitar o boleia do "compasso", a visita pascal, para ver o pai. Acreditou, nas palavras do marido, que a madrasta não a impediria. A esperança esfumou-se pouco depois. Quando o grupo bateu à porta de Carmélio, a mulher recusou-se a abri-la. Terá dito, conta Fátima, que no grupo estavam pessoas que não eram bem-vindas. A filha, presente com o marido e os dois filhos maiores, não compreendia o porquê. Ainda assim, e em consideração ao pai, que sabia católico convicto, retirou-se. "A minha mulher não ia privar o pai de beijar a cruz e, por isso, viemos embora", relata Sebastião.
As recusas continuaram e nem o pároco conseguia resolver o diferendo, explica Fátima. A madrasta de Arsénio, 20 anos mais nova que o marido, continuava a impedir a visita. Insurgindo-se contra isso, o filho acabou detido duas vezes pela GNR, por alegada violação do domicílio do pai. A casa, insiste Arsénio, era do pai, que casara em separação de bens com a última mulher por obrigação legal, já que tinha perto de 70 anos.
A mulher, que o PÚBLICO tentou insistentemente ouvir sem sucesso, fez queixa e o Ministério Público (MP) deu-lhe razão. Arsénio é acusado de três crimes de violação de domicílio. Mas, no dia do julgamento, a madrasta desiste das queixas e os advogados acordam um horário de visita para Arsénio, confirmado pelo tribunal.
Arsénio pode visitar o pai aos fins-de-semana, das 15h as 18h, mas a madrasta continua a não lhe abrir a porta. Desta vez, é Arsénio que se queixa por a mulher do pai o estar a impedir de exercer um direito fundamental e não cumprir o acordado.
O MP considera provado que a madrasta impedira a visita ao marido, mas atende ao seu argumento, que deveria ser avisada antecipadamente das visitas de Arsénio. O engenheiro reclama, argumentando que isso altera o que tinha sido acordado. Alega ainda que não faz sentido, porque já tinha um horário de visita definido. "Disse também o MP que a arguida [a madrasta] referiu que a doença do meu pai não é compatível com visitas inesperadas. Como eu tenho um horário de visitas perfeitamente definido, as minhas visitas não são inesperadas", escreve Arsénio na reclamação do arquivamento. De novo, o MP não lhe dá razão e confirma a decisão anterior. Arsénio continua a não conseguir visitar o pai. Uma das poucas excepções à regra foi quando conseguiu ver Carmélio no Hospital Distrital de Águeda, em Junho do ano passado. No dia seguinte, o pai morreu.
Contactado pelo PÚBLICO, o juiz presidente da Comarca do Baixo Vouga, que abarca o tribunal de Sever do Vouga, onde grande partes dos processos correram, remeteu para hoje (14-3-2011) uma explicação sobre o caso.»
Texto e imagem publicados no Público, 14.03.2011
Notas do editor deste blogue:
Arsénio Almeida enviou a este blogue dois e-mails (14-4-2011 e 26-5-2011) a indicar-nos o link desta sua história publicada pelo jornal Público.
Só hoje, o editor de 'Crime e Justiça', alertado pelo segundo e-mail (26-5-2011) foi verificar a sua história.
Trata-se de algo que merecia, sem margem para dúvidas, a nossa melhor atenção aquando do primeiro e-mail (14-4-2011).
Como mais vale tarde do que nunca, aqui fica a dramática história de Arsénio Almeida, juntamente com o nosso pedido de desculpas por não termos dado a merecida atenção ao assunto na altura devida.
Sem dúvida um caso a acompanhar.
ResponderEliminarE já agora, parabéns pelo blog.
Cumprimentos,
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R. Saraiva