Quinze anos numa vida é muito tempo. Anísia Conde tinha 31 anos quando a mãe morreu no Hospital da Cruz Vermelha devido a uma infecção bacteriana hospitalar, em 1995. Agora Anísia tem 46 anos. Os filhos eram crianças, agora estão na fase universitária, um no curso de Direito, a outra candidata a Medicina. "Os meus filhos escolheram as duas áreas que resumem o processo judicial accionado pela morte da minha mãe no Hospital da Cruz Vermelha", conta Anísia Conde.
A história do "processo" foi contada em exclusivo pelo DN, ao longo dos anos. Mas como o "processo" é kafkiano e parece insolúvel, há mais um capítulo triste da batalha de uma família perdida nos meandros absurdos da justiça.
O Hospital da Cruz Vermelha foi condenado pela 2.ª Vara Cível de Lisboa a pagar 106 mil euros por danos morais a Anísia e aos outros dois filhos de Aida dos Santos, que morreu naquela unidade a 25 de Novembro de 1995, aos 54 anos, vítima de infecção bacteriana hospitalar.
A sentença transitou em julgado em Outubro de 2003 e o pedido de execução da mesma deu entrada em 2008. O processo está agora nos Juízos de Execução de Lisboa. Cinco contas bancárias da Cruz Vermelha Portuguesa, no valor total de 673,452 euros foram recentemente penhoradas.
Na passada quinta-feira, um despacho do juiz de execução a quem foi distribuído o processo "mandou levantar as penhoras que ultrapassassem o valor de 180 mil euros, que é o montante que já inclui os juros de mora". As penhoras "vão ser substituídas por uma garantia bancária da Cruz Vermelha Portuguesa de igual montante", explicou ao DN o advogado Diogo Miranda, representante da CVP - Sociedade de Gestão Hospitalar, que gere o Hospital da Cruz Vermelha. "A Cruz Vermelha não vai pagar. E a Sociedade de Gestão também não. Vamos aguardar para ver quem vai ser citado para pagar."
Anísia Conde não entende. Está cansada e farta da estranha linguagem das leis. "Sempre alegaram que o hospital não tem personalidade jurídica e que por isso não é o hospital que tem de pagar", desabafa, com angústia na voz. "Eu só quero que isto termine, que o hospital pague o que nos deve para poder ter paz. E para ir viver para o meu país, Moçambique, e levar para lá as ossadas da minha mãe. Para ela ser cremada na sua terra, como era seu desejo."
Fala-se do processo e Anísia entra em catarse emocional. Recorda tudo como se fosse hoje, e as lágrimas correm-lhe pelo rosto. Chora mas avisa que não desiste. "Nunca!"
O imbróglio jurídico não podia ser maior: o hospital da Cruz Vermelha "não tem personalidade jurídica" mas é o réu deste processo, sublinha o advogado Diogo Miranda. Quando Aida dos Santos morreu ainda não existia a CVP - Sociedade de Gestão Hospitalar. O hospital era propriedade da Cruz Vermelha. "A Cruz Vermelha e a CVP - Sociedade de Gestão Hospitalar pediram intervenção no processo para contestar a acção cível e arguir a nulidade, mas nem uma nem outra foram admitidas como partes", salienta o advogado.
Anísia Conde não quer saber desses detalhes. "A minha mãe esteve consciente de que estava a morrer com uma septicémia. Os dois médicos que depois foram processados e ilibados nunca vieram falar connosco. O hospital nunca nos pediu desculpas pelo que aconteceu."
Pelo menos no cível, Anísia ganhou. "Consegui uma condenação. Deitei muitas lágrimas e chorei muito. Não é pelo dinheiro que estou nisto. Mas o dinheiro vai ajudar a pagar os custos que tivemos em advogados e recursos." »
in DN online, 17-11-2010
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