«O acórdão que condenou seis arguidos do processo Casa Pia considera que a prática dos crimes só foi possível porque a ameaça evidente que Carlos Silvino constituía foi "desvalorizada" por quem na instituição "tinha a responsabilidade da guarda dos educandos".
A conclusão vem a propósito da avaliação dos crimes praticados por Carlos Silvino, mas, na prática, tem uma abrangência bem maior.
Se bem que Carlos Silvino tenha usado a sua posição na instituição para garantir a satisfação dos seus desejos de “predador sexual” (a expressão é dos juízes), através da prática de dezenas de abusos sobre os alunos, o antigo motorista acabou por funcionar como elo de ligação para fornecimento de menores para os restantes arguidos, tal como o colectivo de juízes deu como provado durante o julgamento.
A “impunidade” de que beneficiou Carlos Silvino, ao longo de mais de 20 anos, está provada para o tribunal nas avaliações de “Bom” e “Muito Bom” que o antigo motorista conseguia, ano após ano, para efeitos de classificação na carreira, não obstante os processos disciplinares e as sanções de que, ao mesmo tempo, era alvo.
Como salienta o acórdão, este facto “configurou, em consequência, um contributo que ao longo do tempo foi sucessivamente dado por pessoas com responsabilidades dentro da Casa Pia – mesmo que sem intenção nesse sentido ou percepção de que tal poderia acontecer – para que os factos que o tribunal deu como ‘provados’ nestes autos pudessem ter ocorrido”.
E como foi isto possível? “Porque o arguido Carlos Silvino foi ultrapassando, ao longo do tempo, os limites que lhe eram impostos”, constata-se no acórdão. E essas “desvalorizações” ou “desconsiderações” dos riscos por parte de responsáveis da Casa Pia, entre eles Manuel Abrantes, não são casos isolados. Bem pelo contrário, “o que sucede é que o tribunal vê é um padrão consistente e repetitivo dessas ‘desconsiderações’ e ‘desvalorizações’”, com os responsáveis a ignorarem os riscos internos que se desenhavam.
Um provedor, em finais dos anos 80, chegou a considerar, perante uma denúncia de abusos nas instalações, que se tratou de “uma orquestração preparada no sentido de criar uma desestabilização interna”. Mas já o que se passava fora dos muros da instituição tinha outro tratamento. Nos anos 90, a provedoria enviava uma informação à Polícia Judiciária pedindo uma intervenção nos jardins de Belém, “cheio de homossexuais”, que “corrompiam” os alunos da Casa Pia.
O tribunal resume e conclui que a Casa Pia era “uma casa grande num meio muito pequeno”, virada para dentro e minada por relações familiares e de antigos alunos, que acabavam por reduzir o impacto do que de mau ali se passava no exterior.»
A conclusão vem a propósito da avaliação dos crimes praticados por Carlos Silvino, mas, na prática, tem uma abrangência bem maior.
Se bem que Carlos Silvino tenha usado a sua posição na instituição para garantir a satisfação dos seus desejos de “predador sexual” (a expressão é dos juízes), através da prática de dezenas de abusos sobre os alunos, o antigo motorista acabou por funcionar como elo de ligação para fornecimento de menores para os restantes arguidos, tal como o colectivo de juízes deu como provado durante o julgamento.
A “impunidade” de que beneficiou Carlos Silvino, ao longo de mais de 20 anos, está provada para o tribunal nas avaliações de “Bom” e “Muito Bom” que o antigo motorista conseguia, ano após ano, para efeitos de classificação na carreira, não obstante os processos disciplinares e as sanções de que, ao mesmo tempo, era alvo.
Como salienta o acórdão, este facto “configurou, em consequência, um contributo que ao longo do tempo foi sucessivamente dado por pessoas com responsabilidades dentro da Casa Pia – mesmo que sem intenção nesse sentido ou percepção de que tal poderia acontecer – para que os factos que o tribunal deu como ‘provados’ nestes autos pudessem ter ocorrido”.
E como foi isto possível? “Porque o arguido Carlos Silvino foi ultrapassando, ao longo do tempo, os limites que lhe eram impostos”, constata-se no acórdão. E essas “desvalorizações” ou “desconsiderações” dos riscos por parte de responsáveis da Casa Pia, entre eles Manuel Abrantes, não são casos isolados. Bem pelo contrário, “o que sucede é que o tribunal vê é um padrão consistente e repetitivo dessas ‘desconsiderações’ e ‘desvalorizações’”, com os responsáveis a ignorarem os riscos internos que se desenhavam.
Um provedor, em finais dos anos 80, chegou a considerar, perante uma denúncia de abusos nas instalações, que se tratou de “uma orquestração preparada no sentido de criar uma desestabilização interna”. Mas já o que se passava fora dos muros da instituição tinha outro tratamento. Nos anos 90, a provedoria enviava uma informação à Polícia Judiciária pedindo uma intervenção nos jardins de Belém, “cheio de homossexuais”, que “corrompiam” os alunos da Casa Pia.
O tribunal resume e conclui que a Casa Pia era “uma casa grande num meio muito pequeno”, virada para dentro e minada por relações familiares e de antigos alunos, que acabavam por reduzir o impacto do que de mau ali se passava no exterior.»
Texto in JN online, 17-9-2010
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