sábado, 19 de junho de 2010

Braço-de-ferro dos advogados fez Sócrates recuar nas férias judiciais

«O Governo, pressionado pelos advogados, recuou e alterou o período das férias judiciais. Os tribunais fecham a 15 de Julho, tal como antes de 2005, e não se prevêem atrasos.




O Governo de José Sócrates recuou nas férias judiciais e alterou a lei do anterior Governo de José Sócrates. Este ano, os tribunais vão parar entre 15 de Julho e 31 de Agosto, ou seja, a interrupção começa 15 dias mais cedo do que o ano passado. Esta alteração é reivindicada pelos advogados desde 2005, quando o primeiro-ministro mexeu na lei ao jeito de bandeira política. Porém, ela só foi promulgada nesta segunda legislatura, quando ao Ministério da Justiça chegou o secretário de Estado João Correia, advogado que concorreu contra Marinho e Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados (OA).

Se a alteração é apoiada pelos advogados e solicitadores, pois foram eles quem mais lutou por ela, para os restantes operadores judiciários - juízes, magistrados do Ministério Público, funcionários judiciais - a questão é indiferente. "Gostaríamos de ter férias como qualquer outro cidadão", disse ao DN Carlos Almeida, presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ). "Esta alteração é para agradar aos advogados", frisou. A mesma posição foi assumida por Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), para quem o tema só terá servido para confundir as pessoas. "Fizeram passar a ideia de que os operadores judiciários têm mais férias que os restantes portugueses", disse, apontando o dedo a José Sócrates.

No início da legislatura anterior, recorde-se, o tema da redução das férias foi uma das grandes bandeiras políticas no arranque do novo Executivo, sendo Alberto Costa o ministro da Justiça. O primeiro-ministro anunciou então que a interrupção no Verão, que ia de 15 de Julho a 15 de Setembro, ficaria reduzida de 1 a 31 de Agosto. Disse também que com tal medida se esperava um aumento de 10% na produtividade nos tribunais.

Esta inovação, consagrada depois na Lei 42/2005, foi logo contestada, ao contrário do que se esperava, pelos advogados. Alegaram os causídicos que precisavam de um tempo mais longo sem julgamentos e sem prazos a correr para porem em dia o trabalho que ao longo do ano se ia acumulando. Este argumento, aliás, era frequentemente atribuído aos magistrados como desculpa para descansarem mais no Verão.

Curiosamente, são os advogados a exigirem um maior período de tempo com os prazos processuais interrompidos. Esta foi, aliás, uma das grandes lutas do anterior bastonário da OA, Rogério Alves. Mas o anterior Executivo nunca cedeu, mesmo com todas as pressões exercidas pelo então ministro da Justiça, Alberto Costa. O novo Governo tomou posse, o ministro da Justiça mudou, e a lei foi alterada. Alberto Martins, o novo titular da pasta, mostrou ter uma maior influência do que o seu antecessor. A presença de João Correia no ministério é também um factor de peso, admitem as fontes do DN.

Relativamente a esta questão, os juízes têm uma posição muito radical. "Acabe-se já com as férias judiciais e mantenham os tribunais abertos 12 meses por ano", disse ao DN António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). "Analise-se o tema sem demagogias e se for viável vamos a isso", frisou.

Para António Martins, se o anterior Executivo fez demagogia com o assunto, o actual cometeu uma "aberração jurídica". Conforme explicou, para aplicar a nova medida, o Governo aprovou o Decreto-Lei 35/2010, que mantém o período das férias judiciais, apenas acrescentando um período, entre 15 e 31 de Julho, em que os prazos processuais deixam de contar. Ou seja, o diploma evita chamar férias judiciais àquilo que, na prática, são as férias judiciais. Disse Fernando Jorge: "O Governo não teve coragem de admitir que se enganou em 2005."

Acresce que esta nova alteração foi feita mexendo-se numa norma do Código do Processo Cível. Segundo a ASJP, é duvidoso que o regime proposto seja aplicável na jurisdição penal e contra-ordenacional. Isto significa, salientou António Martins, que este alargamento pode ser inconstitucional.»

in DN online, 19-6-2010

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