«Entrou nas celas e levou telemóvel com que presos foram ameaçados de morte para se calarem.
Inspectores da Polícia Judiciária faziam tempo para apresentar três jovens criminosos ao juiz, no Tribunal de Cascais, quando viram passar um homem a caminho das celas. Marcou o código e entrou em área reservada, tranquilamente, na tarde de 15 de Março. Não havia um motivo aparente para entrar ali, embora estivesse autorizado, mas só mais tarde é que os investigadores perceberam as intenções do funcionário judicial – quando foram encontrar os três suspeitos de homicídio tentado aterrorizados. Por entre as grades, levou-lhes um telemóvel com o sistema de voz alta activado e através do qual foram ameaçados de morte por outro elemento do gang, solto. Objectivo: não abrirem a boca perante o juiz.
Em causa, para serem presentes pela Judiciária a primeiro interrogatório judicial, estão três tiros de caçadeira com que quase mataram um rapaz de 15 anos, na madrugada da véspera, em ajuste de contas no bairro do Fim do Mundo, em Cascais (ver caixa). Os três fazem parte de um gang, sendo suspeitos de outros crimes violentos, entre os quais carjacking – e ao serem apanhados por homicídio tentado os cúmplices tiveram receio de serem denunciados. Por isso arranjaram a solução perfeita: recorrer ao amigo dentro do Tribunal de Cascais – um oficial de justiça que passou calmamente por todo o sistema de segurança, até às celas, e levou aos presos o telemóvel com que foram ameaçados de morte pelo cabecilha.
Cumprida a missão, o funcionário judicial guardou o telemóvel, fechou as portas e saiu rapidamente do tribunal. Só que a PJ foi encontrar os jovens aterrorizados dentro das celas, percebeu que os três tinham sido ameaçados – e participou logo o caso ao Ministério Público e ao juiz. Os magistrados ordenaram que o funcionário fosse encontrado, ainda dentro do edifício, mas naquela tarde de segunda--feira já não foi possível. Fugiu.
Foi aberto um inquérito, que deu origem a uma investigação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ – e, através da descrição física dada pelos três jovens e pelos próprios colegas da Secção de Homicídios da PJ, não foi difícil identificar e apanhar o funcionário suspeito. Continua em liberdade.
PORMENORES
COACÇÃO AGRAVADA
O funcionário incorre nos crimes de coacção agravada e favorecimento pessoal: o primeiro, pelas ameaças, para que se calassem perante o juiz; o segundo, por ter o objectivo de ajudar um suspeito de crimes.
CONFESSOU TUDO
A investigação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção passou por recolher testemunhos dos colegas da PJ, dos três jovens ameaçados – e do próprio suspeito, que terá confessado tudo.
TUDO POR AMIZADE
O suspeito, apurou o ‘CM’, terá dito aos investigadores da PJ que não cometeu os crimes a troco de dinheiro – num acto de corrupção – mas sim por amizade a membros do gang.
PROCESSO DISCIPLINAR
A par do processo-crime, cuja acusação estará a cargo do Ministério Público e que lhe poderá valer alguns anos de prisão, será alvo de um processo disciplinar.
ATINGEM RAPAZ A TIRO E VÃO DANÇAR
Os três jovens que foram ameaçados de morte nas celas do Tribunal de Cascais, através de um funcionário, acabaram por ficar até ao julgamento em prisão preventiva, por decisão do juiz – até para protecção dos próprios, depois do sucedido. Respondem por homicídio tentado, depois de terem atingido um rapaz de 15 anos na cabeça, peito, pernas e num dos braços, a tiros de caçadeira, e foram capturados dentro da discoteca Bauhaus, no Estoril, já depois das 07h00 da manhã de 14 de Março, para onde fugiram depois do crime, no Bairro do Fim do Mundo, em Cascais.
Foram os três presos pela Secção de Homicídios da Polícia Judiciária de Lisboa – mas já eram entretanto suspeitos de mais crimes, daí o receio que outros elementos do gang tinham de que contassem tudo ao juiz de instrução criminal. De resto, a Secção de Roubos da Judiciária apanhou e deteve outros três elementos do gang durante a última semana, conforme o CM avançou, por crimes em que os três suspeitos presos anteriormente por homicídio tentado também participaram. Todos os elementos têm entre os 18 e 27 anos e são suspeitos de crimes violentos, como carjacking.
FUNCIONÁRIO JUDICIAL CONDUZIA LADRÕES
Em Abril, um oficial de justiça entregou-se à PJ de Lisboa por ser suspeito de ligações a um gang que assaltou casas, um banco e duas ourivesarias – fez de motorista num dos roubos à mão armada. Conhecedor da lei, antecipou-se à detenção e apresentou-se à PJ, afastando o perigo de fuga. Está em liberdade até ao julgamento.
LEVOU O ADVOGADO
O funcionário judicial sob suspeita, em Lisboa, trabalha nos Juízos Criminais do Campus de Justiça. Quando se entregou à PJ levou um advogado para o defender.
PJ: UNIDADE DE ANTICORRUPÇÃO
A investigação da Polícia Judiciária ficou a cargo da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, uma secção especializada em crimes com a participação de funcionários do Estado
SUSPEITOS: CRIMES VIOLENTOS
O gang em causa é suspeito de roubo qualificado, posse de arma e, um deles, de tráfico de droga. Em Fevereiro terão feito um carjacking em Alcabideche, mas a vítima resistiu e fugiram
ATAQUES: CARROS E OURIVES
Os seis elementos deste gang terão roubado um veículo de alta cilindrada e, com o mesmo, tentaram assaltar uma ourivesaria na zona de Cascais e furtado várias outras viaturas.»
in CM online, 01-6-2010
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