domingo, 5 de setembro de 2010

"A justiça não ficou melhor nem pior depois da Casa Pia"

«O acórdão sobre o processo da Casa Pia e a condenação dos arguidos contribuiu para devolver credibilidade à Justiça? Os cidadãos têm agora mais confiança na Justiça ou muito pelo contrário?



"A justiça não ficou melhor nem pior com o acórdão que foi conhecido anteontem", considera o advogado Guilherme da Palma Carlos. No seu entender, o importante é "a visão global do problema e das causas da crise da Justiça, a floresta e não a árvore".

Carlos Poiares, jurista e professor universitário de Psicologia Criminal, afirma que, depois do julgamento, apesar da decisão dos juízes, "a maior parte das pessoas continua com dúvidas sobre a culpabilidade dos condenados e isso não contribui para a credibilidade da Justiça".

Ao analisar o impacto do processo junto da opinião pública, Poiares nota que o grande volume de informação e de comunicação que definiu a grande dimensão do caso deu lugar a um crescente desinteresse. No final, a dúvida mantém-se, considera, salientando que "a Justiça é como a mulher de César. Não basta ser séria, tem de o parecer".

"Mas esse é o problema dos processos mediáticos", diz o juiz Edgar Lopes, da Associação de Juízes pela Cidadania. Na sua opinião, "não é por esta decisão que as pessoas passam a confiar mais na Justiça". A credibilidade "faz-se pela fundamentação" descrita no acórdão que será depositado e entregue aos advogados das partes na próxima quarta-feira. É por aí que se avaliará a consistência da decisão do colectivo.

Condenações esperadas

"Quando a justiça se preocupa demasiado com a credibilidade exterior, deixa de ser justiça", refere o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto. Frisando que não conhece o processo, considera que a decisão do processo de pedofilia da Casa Pia "era já uma exigência da comunidade" e que a "opinião pública já estava à espera das condenações", criticando a tendência para as decisões judiciais "politicamente correctas".

Se, em vez de condenar, os juízes tivessem decidido absolver os arguidos, "o ruído mediático seria precisamente o mesmo, só que da parte contrária", assegura Edgar Lopes. "As consequências, a nível mediático, com manifestações de indignação, existiriam também, só que da parte dos ofendidos", diz, salientando que nestes processos "os interessados dizem sempre o que lhes convém" e que "nenhum juiz condena porque mediaticamente fica bem".

Edgar Lopes acredita que, neste processo, os magistrados fizeram o que os juízes fazem habitualmente no dia-a-dia. "Pegam na prova, têm a sua convicção e ponto final."

"Só o facto de o julgamento ter demorado o tempo que demorou e não ter sido sequer entregue uma cópia da decisão" já são motivos para que a Justiça não tenha ganho credibilidade, diz Marinho Pinto.

No mesmo dia em que a leitura do acórdão foi marcada na Oitava Vara Criminal de Lisboa, no Campus da Justiça, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, frisou "não ter dúvidas" de que um acórdão de qualidade relativo ao chamado processo da Casa Pia contribuiria para a credibilização da Justiça. "Não só este acórdão, mas todas as decisões dos juízes em geral", sublinhou o presidente do Supremo Tribunal.

Marinho Pinto duvida. "Quem anda pelos tribunais, quantas condenações sem provas vê? E quantos criminosos andam por aí à solta sem serem condenados?", pergunta. "É o que mais acontece no mundo da Justiça, que é feita por homens que podem errar."

Na opinião do bastonário dos advogados, aliás, "as grandes causas nunca fazem boa jurisprudência, raramente são pedagógicas".

Um marco pacificador

Para Guilherme da Palma Carlos, não é pelo acórdão da Casa Pia "que se afere o bom funcionamento da Justiça". Este não passa de "uma gota no oceano". A credibilidade, diz este advogado, também não é "afectada pelas manifestações públicas de discordância", nota, criticando a exposição pública de Carlos Cruz depois de ter sido conhecida a decisão do tribunal.

"As decisões podem ser criticadas, mas não na via pública", considera, adiantando que "o direito à defesa deve ser exercido dentro do processo, em sede de recurso". Paulo Matta, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, considera que sempre que existe uma decisão judicial sobre um caso da importância que assumiu o processo Casa Pia na sociedade portuguesa, "ajuda, em abstracto, a credibilizar o sistema".

Um acórdão como o que foi conhecido anteontem "é sempre um marco", afirma, sublinhando a importância de uma decisão final no "encerrar de um capítulo", como contributo para "repacificar a sociedade" e para uma "maior confiança do público" no sistema judicial.»

Texto in Público, 05-9-2010

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