Era uma juíza com um semblante extremamente cansado que ontem andava nos corredores da 8.ª Vara Criminal do Campus da Justiça, em Lisboa. Ana Peres, que preside ao colectivo do processo da Casa Pia, vai hoje comunicar a decisão aos sete arguidos que, desde 2004, estão em julgamento. Ontem, segundo apurou o DN, a magistrada deu os últimos retoques no documento, mas este não será entregue hoje aos advogados. A juíza irá apenas fazer uma súmula das mais de mil páginas do documento, deixando para o fim da leitura a comunicação sobre quem é condenado e quem é absolvido.
Este é, com toda a certeza, o acórdão mais esperado dos últimos anos. Os principais interessados são, obviamente, os sete arguidos: Carlos Silvino (Bibi), Carlos Cruz, Manuel Abrantes, Jorge Ritto, Hugo Marçal, João Ferreira Diniz e Gertrudes Nunes. O julgamento do processo da Casa Pia começou em Novembro de 2004 e prolongou-se no tempo. Uma situação que levou o Conselho Superior da Magistratura (órgão de gestão e disciplina dos juízes) a considerá-lo como um "caso de estudo". Para a demora contribuiu, sobretudo, o número de testemunhas ouvidas: 920. Uma situação considerada anormal, mas tendo em conta que a prova contra os arguidos é essencialmente testemunhal (através dos depoimentos das 32 vítimas), o tribunal terá querido esgotar todas as formas de produção de "contra-prova", procurando equilibrar os pratos da balança.
Seja como for, os números impressionam: pelo julgamento passaram 981 pessoas a prestar depoimento (920 testemunhas, 32 vítimas, 19 consultores técnicos e 18 peritos). E quem olhar para os armários da 8.ª Vara Criminal percebe a dimensão física do processo: 273 volumes, 588 apensos, 352 DVD e mais de 1000 CD (ver infografia nestas páginas).
Quanto à decisão, há apenas especulações. Nos corredores da justiça, há quem aposte em condenações em toda a linha e quem ache que alguns dos sete arguidos poderão ser absolvidos, tendo em conta as provas que apresentaram em tribunal. Como referiu ao DN um juiz, a decisão de condenar alguém tem de ir "para além da dúvida razoável".
O acórdão do processo da Casa Pia, além da análise dos factos, também será uma espécie de manual sobre a evolução do regime penal em matéria de abusos sexuais. Foi, aliás, a própria juíza Ana Peres que, em Julho deste ano, quando adiou a data da leitura da sentença para hoje, fez questão de sublinha que o processo está confrontado com "cinco regimes legais sucessivos" relativamente a crimes de natureza sexual. Desde 1999, data a que remontam os supostos abusos, houve várias alterações ao Código Penal. Os juízes estão obrigados a aplicar o regime mais favorável ao arguido.
A última alteração aconteceu na semana passada, com a promulgação do Código de Execução de Penas. À boleia deste diploma, o Parlamento alterou o regime legal do "crime continuado" em matéria de crimes sexuais, que tanta polémica causou em 2007. Mas esta alteração não terá qualquer efeito no acórdão que será lido hoje.»
in DN online, 03-9-2010
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