quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Tribunal Criminal de Lisboa (3.ª Vara) sem o dinheiro apreendido para devolver a arguido ilibado

«Mais de 86 mil euros desviados por ex-coordenadora da Judiciária em caso de drogas. Arguido foi ilibado, mas o dinheiro apreendido e que agora tem que ser devolvido não existe no processo.

Cidadão pondera penhorar carros e mobiliário do Ministério da Justiça.






O caso é absolutamente inédito nos tribunais portugueses e levanta problemas que nem a lei ou os códigos processuais conseguem resolver. Trata-se dos mais de 86 mil euros que, em finais de 2006, foram desviados pela inspectora da Polícia Judiciária (PJ) que coordenava as investigações sobre tráfico de drogas, verba que desapareceu do processo e o tribunal não sabe agora como suprir.

O problema coloca-se porque o arguido a quem esses montantes foram apreendidos acabou por ser ilibado. O acórdão, da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, manda que lhe sejam devolvidas as verbas apreendidas pela Judiciária durante a investigação, mas é o próprio tribunal que não pode dar cumprimento à decisão, já que não tem, nem nunca teve, esse dinheiro. É que, embora do processo constem as actas da operação da PJ referindo a apreensão de dezenas de quilos de cocaína e de cerca de 150 mil euros em notas, o facto é que nem todo este montante acabou por chegar ao processo.

A sentença transitou em julgado no início de Outubro e ao arguido em causa deveria ser devolvido um total de 100.625 euros, resultante dos montantes que a PJ tinha encontrado nos cofres da sua residência e da casa do seu sogro na noite da operação. Após vários requerimentos, o tribunal acabou por lhe entregar apenas 14.140 euros, ou seja, todo o dinheiro que estava depositado à ordem do processo. Foi fazendo as contas e procurando nas notícias sobre a detenção e o julgamento da antiga coordenadora da Direcção Central de Investigação ao Tráfico de Estupefacientes (DCITE) que concluiu corresponderem os 86.485 euros em falta a um dos desvios de que foi acusada aquela inspectora da Judiciária.

No âmbito de um processo interno, a coordenadora da DCITE foi detida em 25 de Julho de 2007 pelos próprios colegas do departamento de combate à corrupção. Depois de ter passado algum tempo em prisão preventiva, acabou por ser julgada e condenada por crimes de peculato. A pena de sete anos e meio de prisão não se tornou ainda efectiva, já que está ainda pendente um recurso da sentença no Tribunal da Relação de Lisboa.

Segundo a investigação interna da PJ, corroborada pela acusação, a inspectora terá desviado um total de cerca de 94 mil euros, na sequência de três operações de apreensão de drogas levada a cabo pelas suas equipas operacionais. Na primeira foram retirados 600 euros, na segunda cerca de sete mil e na terceira mais de 86 mil. É esta última verba que corresponde à operação que deu origem ao processo da 3.ª Vara Criminal de Lisboa. A acção dos homens da PJ decorreu numa madrugada de sábado, em Novembro de 2006, tendo a droga e os valores apreendidos sido guardados no cofre existente no gabinete da inspectora que então coordenava a DCITE. A falta dos mais de 86 mil euros foi constatada na segunda-feira seguinte, quando os agentes procediam ao depósito do resultado da operação, na secretaria central da PJ, tendo sido entregue apenas a verba restante.

Perante a impossibilidade do tribunal em dar cumprimento à própria sentença, o arguido optou por expor o caso ao ministro da Justiça, presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, bastonário da Ordem dos Advogados e director da Polícia Judiciária, dos quais não obteve ainda resposta. A alternativa será avançar com um processo de execução contra o Estado, ponderando penhorar os carros e o mobiliário afectos ao gabinete do ministro da Justiça.»

Texto in Público online, 18-8-2010

Sem comentários:

Enviar um comentário