quarta-feira, 14 de julho de 2010

Caso dos submarinos: procuradora-adjunta do processo mantém relação com presidente da Inteli

«O caso da compra dos submarinos volta a estar no centro das atenções. A relação próxima entre uma procuradora do Ministério Público e o presidente de uma empresa determinante para a compra dos submarinos e para a investigação criminal pode pôr em causa os respectivos processos judiciais. A procuradora é uma das responsáveis pela investigação e ele o responsável pela empresa que fez as perícias para o Ministério Publico. Em causa estão questões de ordem legal, mas, sobretudo, de ordem ética e deontológica. O procurador-geral da República diz que desconhece toda a situação, mas que vai investigar. Veja o vídeo em baixo.


A 27 de Abril começou a fase instrutória do processo das contrapartidas na compra dos submarinos, no Tribunal de Instrução Criminal.

Tanto a procuradora titular como a procuradora-adjunta estiveram presentes. Um dia depois, Carla Dias, a procuradora-adjunta do processo, e o responsável pela Inteli, empresa que efectuou as perícias para o Ministério Público, partiram para o estrangeiro.

A viagem chegou a estar marcada para dia 5 de Abril, mas só a 28 Carla Dias e José Rui Felizardo partiram de Lisboa para Marraquexe, com escala em Casablanca.

Os quatro dias seguintes foram passados num dos hotéis mais luxuosos de Marraquexe, numa suite executiva.

O regresso a Portugal fez-se a 2 Maio, dois dias antes da segunda audiência de instrução - uma das últimas sessões a que a procuradora-adjunta assistiu.

Foi por esta altura que vários intervenientes no processo tomaram conhecimento da relação entre a magistrada do Ministério Público e o presidente da Inteli. Relação que já durava desde Outubro de 2008, quando os processos dos submarinos estavam em plena fase de inquérito.

Isso mesmo foi confirmado por José Rui Felizardo. O presidente da Inteli aceitou encontrar-se num café do Chiado, em Lisboa, com uma jornalista da SIC. Não quis gravar a entrevista, mas admitiu que a relação chegou a fazê-lo ponderar retirar a sua empresa do processo.

Segundo o presidente da Inteli, a questão chegou a ser colocada à directora do Departamento de Investigação e Acção Penal, mas Cândida Almeida terá entendido que isso não era necessário. Aliás, no final da conversa tida com a jornalista, José Rui Felizardo perguntou se podia dar conta do teor do encontro a Cândida Almeida.

Uma relação longe de cumprir as condições exigidas por estas duas personagens jurídicas, como explica o jurista Paulo Pinto de Albuquerque: "O perito deve pedir escusa da sua função se não tiver condições indispensáveis para exercer o cargo. Essas condições exigem imparcialidade absoluta em relação ao magistrado e não há essa imparcialidade se ele tiver uma relação de proximidade afectiva, por exemplo, com o magistrado que a nomeia".

À questão colocada em seguida, sobre o caso em concreto, onde não se trata de um perito, mas hipoteticamente do administrador dessa empresa de peritagem, o jurista confirma que "o principio é o mesmo. Se o administrador tem um poder de facto ou de direito sobre resultado da peritagem o princípio é exactamente o mesmo e portanto deve também ter uma relação de total imparcialidade em relação ao magistrado que o nomeia (...). Neste caso deve recusar a peritagem (...). O magistrado deve procurar outro perito e nomear outra pessoa que esteja em condições de exercer a sua função (...) não tem que pedir escusa. O magistrado dirige a investigação e portanto tem que procurar outra pessoa que esteja em condições de exercer a função e designadamente que não tenha nenhuma relação com o magistrado que dirige a investigação".

Mas no caso desta situação se constar no processo de instrução (uma fase já muito avançada) "a peritagem está viciada de uma ilegalidade que se prolonga e contamina a própria acusação, neste caso o magistrado só tem que declarar a ilegalidade da acusação por estar contaminada por um vício fundamental da própria peritagem que fundamentou a acusação. O magistrado tem que retomar a investigação se vier a ser declarada ilegalidade da acusação".

O Ministério Público mantém até hoje os peritos da Inteli indicados e pagos por José Rui Felizardo no processo. A hierarquia não afastou a procuradora-adjunta do processo por não encontrar nenhum impedimento legal. Mas esta relação pode levantar dúvidas de ordem ética e deontológica.

A procuradora-adjunta Carla Dias disse à SIC, também sem querer gravar, que chegou a colocar a hipótese de se afastar, mas nunca formalizou um pedido de escusa.

A independência da Inteli tem sido posta em causa em todas as sessões da fase instrutória pelo facto da empresa ter trabalhado para quase todos os intervenientes do processo:


• Com a Escom, a empresa do grupo Espírito Santo que está a ser investigada, serviu de intermediária para as compensações na compra dos submarinos.
• Para a Ferrostaal, empresa do consórcio alemão fornecedor dos submergíveis, ajudou a reformular os projectos de contrapartidas.
• Junto da ACECIA, o grupo de empresas do ramo automóvel cujos empresários são arguidos no processo colaborou para a elaboração de projectos para serem aceites como contrapartidas.
• Com a Comissão Permanente de Contrapartidas, avaliou o mérito de empresas com qualidade para poderem beneficiar com a compra de armamento. A comissão está até hoje a dever-lhe quase 400 mil euros de uma factura de 500 mil.
• E, por último, assinou com o Ministério Público, que investiga as entidades anteriores, uma colaboração para fazer a peritagem a todos os documentos reunidos durante o inquérito.
Numa das sessões, o juiz de instrução, Carlos Alexandre, chegou a dizer:

"Se chegarmos à conclusão que a Inteli conhecia todos os procedimentos e todos os processos ilegíveis para procedimento e ao mesmo tempo fez uma peritagem, rien ne va plus".

Rien ne va plus será o mesmo que dizer que deita tudo a perder. A suposta falta de independência, se vier a ser provada, põe em risco não só o processo que está em instrução como o processo principal dos submarinos. Um negócio que envolve mais de mil e duzentos milhões de euros.»




Texto e vídeo in SIC online, 14-7-2010

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