- Casa do suspeito concentra as atenções da população local -
No lugar de Carqueja, a polícia rondava a casa do suspeito há vários dias. Não longe dali, em São Bartolomeu dos Galegos, um agente à paisana era visto estacionado ou a circular discretamente, todos os dias da última semana. Alguma coisa se passava nesta pacata freguesia da Lourinhã. E tanto João Hipólito como a mulher Albertina Honório, donos do café A Curva, perceberam isso.
Mesmo assim, é com espanto que ouvem as notícias de ontem na televisão de que o homem a quem são atribuídos três possíveis homicídios, na terra ali ao lado, Carqueja, começou a ser ouvido por um juiz de instrução criminal do Tribunal de Torres Vedras. Espanta-os sobretudo a suspeita de assassínio. O resto, dizem, encaixa na postura "estranha" que o homem de 42 anos assumia.
Inventava histórias mirabolantes e levava jovens, muito jovens, para sua casa. Contava que tinha um carro vermelho que dava 150 km/hora em marcha-atrás com água, sem combustível - e chegou por isso a ser entrevistado na televisão. Tinha um negócio de sucateiro que o pai lhe deixara antes de ir viver para Setúbal e depois da mãe morrer. Dizia que era filho de Lucifer. Fazia festas gay e filmava vídeos a anunciar o fim do mundo.
O fim do mundo parece ter chegado, sim, a Carqueja, onde, de postigos fechados, as casas anunciam pessoas ausentes, a trabalhar no campo, ou algumas coladas ao ecrã, perplexas, a tentar perceber o que se passava dentro daquela casa misteriosa e diferente, mesmo ali ao lado. "Podia ter sido connosco?", parecem interrogar-se em salas escuras em dia de sol.
Entre as três vítimas, a mais recente seria Joana Correia, de 16 anos, desaparecida em Março deste ano. Foi então que terá começado a investigação policial, mas a história que as pessoas de São Bartolomeu dos Galegos melhor conhecem vem de trás, 2008, e envolve Ivo, que trabalhava com o suspeito e teria uma relação amorosa com ele, e Tânia, que Ivo depois escolheu para sua namorada, deixando o sucateiro. Os homicídios terão sido motivados pelos ciúmes de Ivo (quando este passou a namorar com Tânia em 2008) e mais recentemente de outro jovem (quando este escolheu Joana).
Um luto difícil
Ivo levava e trazia Tânia ao domingo a ver a mãe no bairro social. Mas Ivo era também muitas vezes visto com o suspeito para quem trabalhava e com quem se envolvera. Um dia, saiu de casa dos pais em Serra do Calvo, como fazia todos os dias, para ir trabalhar, e nunca mais voltou. Tinha menos de 20 anos. Desapareceu, mas do seu telemóvel os pais recebiam mensagens a dizer que estava bem e a trabalhar em Espanha. Porém, dois anos sem ouvirem a sua voz adensaram as dúvidas da família.
"Umas vezes ligava, mas não dizia nada e os pais pensavam que era só para ouvirem a sua voz e saber que estavam bem", conta uma tia ao PÚBLICO. "Todos os dias nos perguntávamos se ele estaria bem, se teria desaparecido, morrido. Sobretudo nos últimos tempos. Ao jantar, era tudo do que falávamos." Agora, acrescenta, as notícias da detenção do suspeito que falam da morte de Ivo não deixam margem para dúvidas. Os pais, irmãs e tias não têm o corpo para velar. Mas começam a fazer um luto difícil. O pai de Ivo, quando ouviu as primeiras notícias, saiu de casa "sem falar, sem dizer para onde ia". A mãe esteve ontem à porta do Tribunal de Torres Vedras "para ver se via o filho". A tia, em lágrimas, vai lembrando como se da lembrança tirasse consolo. "Ivo era um miúdo meigo. Disseram à mãe, quando ele tinha 18 anos, que ele teria um pequeno atraso." Por essa altura, já trabalhava "lá naquela casa".
O suspeito vivia com a irmã e os sobrinhos, de três e seis anos, filhos do último companheiro desta, já depois da saída do pai das crianças. O futuro destes é incerto. Mas estavam ontem dentro da casa, fechada, com a mãe, à espera do que decidirá o juiz do irmão em cuja inocência ela acredita piamente.»
Texto in Público online, 22-7-2010
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