sábado, 13 de junho de 2009

Pinto Monteiro: "Portugueses deixaram de acreditar na Justiça"

Em entrevista ao Expresso, o Procurador-Geral da República, Fernando Pinto Monteiro, fala do estado da Justiça em Portugal, do caso Freeport e da Operação Furacão.


Concorda quando se diz que a Justiça nunca esteve tão mal desde o 25 de Abril?
A Justiça não está bem, é um facto. Mas não está tão mal como dizem. É outro facto. Há um excesso de criticismo e as coisas estão mal aqui como estão na Espanha, na França ou na Itália. E estão mal na Justiça como estão na Economia, na Saúde ou nas Finanças. A sociedade evolui muito mais rapidamente do que as leis. Hoje fazem-se contratos de milhões por telefone, a criminalidade não tem fronteiras. Como diz um autor famoso: ou as leis aceleram ou há uma revolta dos factos contra os códigos.

Juízes e procuradores já aparecem nos últimos lugares nos inquéritos de popularidade. O que não acontecia há dois ou três anos.
Não há ninguém inocente no processo da Justiça. O legislador, os juízes, os magistrados, os solicitadores ou o cidadão. Todos contribuem para que a Justiça não funcione bem.
Dizer que a culpa é de toda a gente é o mesmo que dizer que não é de ninguém.
Toda a gente tem de se esforçar. A Justiça não está adequada aos tempos que correm. Os portugueses deixaram de acreditar na Justiça.

Investiga-se mal em Portugal?
Há crimes que se investigam bem, como os homicídios ou os roubos, mas há muito mais dificuldade com os crimes económicos, porque são difíceis de investigar e não há especialização ou formação dos magistrados para investigar esse tipo de crimes. Por isso é que criei as equipas especiais. No processo Furacão estão 25 peritos das finanças pedidos por nós. E na Câmara de Lisboa estamos a trabalhar com engenheiros e arquitectos. Quem tira um curso de Direito e vai três anos para o CEJ fica com uma sólida formação jurídica mas não está especializado em urbanismo ou crimes ambientais, por exemplo. É preciso criar especializações no Ministério Público.
Não se conseguem investigar casos como o Freeport ou o Furacão com os meios actuais?
Os crimes económicos têm sido investigados. Pela primeira vez, e tenho muito orgulho nisso, todos os bancos estão a ser investigados.

Há demasiado tempo.
Sim. Já disse que sou contra os mega-processos em que se mete tudo numa panela e a sopa nunca mais está pronta. O Furacão começou há muito tempo, mas já se conseguiu dividi-lo em dez processos. Não consegui acabar com os maxi-processos mas consegui minimizá-los. Vai ver que vão andar mais depressa.

Já disse que não há ninguém que esteja impune mas a verdade é que não há um ministro ou um alto quadro de uma empresa que seja condenado.
No caso BPN está a decorrer uma investigação e estamos muito longe de poder dizer que vai ou não haver condenações. O BPP está no início, não posso garantir que vai sequer haver uma acusação. Depende da prova que se obtiver. Mal de nós se só investigarmos casos em que temos a certeza de que vão terminar em condenações. Quando eu digo que não há impunidade quero dizer que todos podem ser investigados.

Alguém acredita que Oliveira Costa é o único responsável do que se passou no BPN?
Nunca houve um banqueiro preso em Portugal! Não vamos é partir do princípio que todos têm de estar presos. Até agora, os elementos que se encontraram foram estes. Se houver novos elementos, serão presos outros. Nunca a minha voz se levantou para criar quaisquer obstáculos por se tratar de um ministro, de um banqueiro ou de um autarca.

Vão ser feitas mais prisões?
Não sei, só sei que as investigações ainda está em aberto.
As absolvições com que terminam tantos casos não provam que as investigações são mal feitas?
Não. Quer dizer que não se provou o que estava na acusação. É assim em todos os países democráticos. Nunca há a certeza absoluta de que uma acusação resulte em condenação. O arguido pode confessar o crime durante a investigação, por exemplo, negá-lo em tribunal e deixar de haver prova.

Isso é uma crítica à lei?
É.
Se as confissões fora do julgamento fossem mais valorizadas não seria um incentivo à tortura?
Um Estado democrático tem de assegurar que não há tortura.
O que fez para esclarecer o caso de tortura na PJ do Algarve?
Não discuto decisões judiciais e desconheço esse processo. A tortura é uma mancha, uma vergonha para qualquer Estado democrático. Nesse caso houve um tribunal que apreciou, julgou, está julgado. O Ministério Público já recorreu, que é o único poder que tem.

Acha que tem mão no Ministério Público?
Não desisto de mudar o Ministério Público, é preciso um novo estatuto para o MP mas não o vou apresentar com eleições à porta. O que vou propor ao novo governo, seja qual for, é que tem de ficar claro que o Procurador-Geral é o vértice da estrutura e que a hierarquia deve existir na prática em todos os escalões.

Já conseguiu melhorar o MP?
É possível que não. O MP está numa fase de profunda transformação. Temos leis novas, temos de ter um estatuto novo, temos de ter uma mentalidade nova. Sabe o que é que eu pretendo? Uma aproximação do MP ao cidadão.

Surpreendeu-o negativamente a qualidade dos magistrados do MP?
Não, quem está nos tribunais há 40 anos não se surpreende.

Mas a qualidade é má?
Não é má nem é boa. É a que temos. Os magistrados do MP podem ser mais eficientes, é o que eu pretendo. E a eficiência vem da especialização, da dedicação. Se já o consegui? Não, mas não desisto.

Os juízes são os grandes responsáveis pelo estado da Justiça em Portugal?
Nunca censurei uma decisão do tribunal. O que posso fazer é mandar recorrer quando tenho esse poder. Não interfiro na vida dos juízes. Isso é com o Conselho Superior da Magistratura.

As leis penais são boas ou são más?
Há leis boas e há leis que não são boas. Este código teve um problema que foi entrar em vigor sem ninguém estar à espera. Se quer um exemplo concreto, veja as prisões preventivas. Há que ter em conta que a lei torna hoje muito mais difícil a prisão preventiva, isso é uma opção do legislador, e que é censurável.

A responsabilidade dos magistrados deve ser diferente da dos outros profissionais?
Não deve haver impunidade para ninguém, isso é ponto assente. Agora as coisas não são branco ou preto. Se cada vez que um magistrado condena alguém e depois se vem a provar que o arguido estava inocente e ele for responsabilizado, nunca mais ninguém é condenado...
É o que acontece aos médicos: se operarem alguém e depois se provar que não deviam ter operado, são responsabilizados...
É muito diferente. O mundo do Direito é o mundo da probabilidade. Os juízes devem ser responsabilizados por uma actuação dolosa ou negligente, porque se for só por um erro judiciário, que acontecem todos os dias em todo o mundo, isso não há em parte nenhuma. A propósito da impunidade, posso dizer-lhe que já ouve mais punições de magistrados nestes dois anos e meio que eu estou aqui do que nos últimos vinte anos.

O seu cargo é solitário?
O cargo de Procurador-Geral é um cargo extraordinariamente solitário.
Já pensou alguma vez demitir-se?
Não, não estou nada arrependido. Hesitei muito para aceitar, a partir desse momento não estou nada arrependido. Há uma coisa que tenho a certeza: nunca disse nada que não fosse exacto. Duvidem de tudo menos de um beirão honesto. Sou um bom magistrado, tenho 43 anos de provas dadas, nada me pesa.
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in Expresso online, 13-6-2009

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