sexta-feira, 12 de junho de 2009

Procurador arquiva processo: Justiça tapa morte de 5 crianças

«"Foi um pedaço de vida que me tiraram e ninguém vai pagar por isso." A revolta está no olhar e a tristeza na voz de Emília Fernandes. Seis anos após a morte da pequena Mariana, devido a um adenovírus que contraiu no Hospital de Guimarães, esta mãe ficou a saber que o inquérito judicial foi arquivado, com a assinatura de Almeida Pereira, procurador alvo de processos disciplinares por atrasos.

Ninguém será responsabilizado pela morte da menina de dois anos e de outras quatro crianças que contraíram o vírus em 2003: Sofia, de dois meses; Gabriela, de um ano e meio; Solange, com um mês; Rúben, de três anos.

A notificação do magistrado chegou à humilde casa da freguesia de São Lourenço de Selho, Guimarães, em Fevereiro. 'Eu não tinha dinheiro para andar com o processo e já suspeitava de que não ia dar nada. É assim neste país', desabafa, quase resignada, a mulher que entretanto viu nascer um neto. 'Ninguém ocupará o seu lugar. Tenho mais quatro filhos, mas continua a ser a mais nova', prossegue. Ao lado, Maria Juliana enfatiza. 'Sou só a segunda mais nova.'

No despacho de arquivamento a que o CM teve acesso, e que pouco mais inclui do que um relatório da Inspecção-Geral da Saúde, o procurador afirma que 'a assistência médica foi correcta e adequada'. O despacho foi concluído já depois de o magistrado ter sido alvo de um inquérito por ter dezenas de casos de negligência médica parados. Foi dos poucos que não foram redistribuídos porque já nada havia a fazer. Também já tinha prescrito o procedimento cível contra o hospital. As famílias, humildes, nem sabiam que havia prazos.

'Fui chamada ao Porto com os pais das outras meninas. Fomos ouvidos e disseram-nos que íamos ser chamados a Guimarães. Nunca mais', recorda Emília, que todos os dias passa pelo cemitério para visitar a campa onde está sepultada Mariana: 'Quando a levei ao hospital só lhe doía a garganta e tinha febre. A culpa não é minha, de certeza, confiei nos médicos.'

SUSPENSÃO DE DOIS ANOS JÁ DETERMINADA
Almeida Pereira, o procurador que durante anos foi o número dois do DIAP do Porto e que ainda há poucos meses foi nomeado por Pinto Monteiro para chefiar a equipa especial de combate ao crime violento, deverá ser sancionado, no primeiro processo disciplinar, com a pena de dois anos de inactividade. A proposta foi feita pelo Conselho Superior do Ministério Público, que entendeu ser demasiado branda a decisão do instrutor, que só propunha a pena de transferência.

A inspecção a Almeida Pereira foi desencadeada após mudança de chefia do DIAP, depois de o CSMP ter decidido investigar os atrasos processuais do magistrado.

'A CULPA MORRE SOLTEIRA'
Joselina Oliveira nunca mais vai esquecer o dia em que foi ao centro de saúde porque a sua bebé, de apenas dois meses, estava com uma bronquiolite. 'Mandaram-me para o Hospital de Guimarães. Foi o maior erro da minha vida', sentencia a mulher que há quatro anos voltou a dar à luz um menino.

'Enrolaram-nos até não podermos fazer mais nada. A culpa morre solteira, porque são os filhos dos outros, não são os deles, e não lhes dói', dispara antes de garantir que não queria qualquer indemnização mas sim 'responsabilidades assumidas'.

'Estávamos desconfiados de que isto ia acontecer, mas tentámos ter esperança na Justiça deste País. De nada valeu', lamenta a mãe da pequena Gabriela Sofia, internada no dia em que a Joselina tinha planeado tirar fotografias da bebé. 'Só tenho retratos dela no caixão. Nem os quero ver. A lápide do cemitério está em branco', diz, inconformada com a morte da bebé, uma das cinco vítimas de adenovíruo no Hospital de Guimarães. 'Só em último recurso vou àquele hospital', conclui.

PORMENORES
RAZÃO EXTERNA
A Inspecção-Geral da Saúde considera plausível que o adenovírus tenha sido importado para o hospital 'pelo progenitor de alguma das crianças internadas'.

AVOCOU PROCESSOS
Em 1999, Almeida Pereira chamou a si todos os processos de negligência médica. Os inquéritos estavam parados quando foi determinada a inspecção do Ministério Público, em Janeiro.

PROCURADOR EM GAIA
Depois de ter sido alvo de vários processos disciplinares, Almeida Pereira pediu a transferência para o Tribunal de Comércio de Gaia.

NOTAS
REVOLTA: SEIS ANOS DE ESPERA
Três meses após terem sepultado os filhos, os pais das crianças foram chamados a depor no DIAP do Porto. Durante seis anos nada mais souberam, até chegar o despacho de arquivamento.

PORTO: MORTES NO SÃO JOÃO
O processo relativo às mortes das crianças foi avocado pelo DIAP do Porto porque algumas das crianças acabaram por morrer no Hospital de São João.

ROTINA: PESQUISA DO VÍRUS
A IGS disse que não era obrigatório que os médicos pesquisassem a existência de adenovírus em casos de infecções respiratórias. O MP limitou-se a confirmar o relatório.»

in CM online, 12-6-2009

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